Religiões que pararam no tempo

[por Ricardo Bonalume Neto]
A Folha publicou um caderno interessante e politicamente correto sobre o Islã no domingo passado. Deixa claro que se trata de uma importante religião, que nem todos são malucos fanáticos como os afegãos do Ta leban, e por aí vai.

O texto mais significativo do caderno é o das páginas centrais, com o título "Época áurea legou avanços na ciência e na cultura". Mostra como os muçulmanos estavam bem mais avançados que os europeus da mesma época, por exemplo mantendo hospitais limpos com médicos e professores dedicados.

O que é particularmente significativo é que tenha sido necessário recuar ao século 10 para mostrar esse legado. O motivo é simples: desde então foi da Europa que vieram as grandes descobertas científicas. Foi na Europa que surgiu a Revolução Científica. Europeus eram Isaac Newton, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico -assim como os posteriores Charles Darwin, Louis Pasteur e Albert Einstein.

Por trás desses fenômenos todos está o papel que a religião exerce em uma sociedade. Os europeus eram atrasados na Idade Média, justamente o período em que o cristianismo mais sufocou qualquer tentativa de pensamento independente. Justiça seja feita aos religiosos cristãos: o pouco que havia de cultura estava sendo mantido em mosteiros e abadias. Só com o renascimento do comércio e das cidades que uma cultura secular foi possível.

O papa quer que você case virgem e sua igreja condena o adultério, mas os motéis continuam cheios. Fundamentalistas cristãos americanos -foi nos EUA que surgiu o fundamentalismo religioso- criticam a teoria da evolução, mas é graças a ela que existe a moderna biotecnologia.

Isso é possível porque as igrejas de Cristo não têm mais poder temporal. E os seguidores de Maomé? O que acontece nos países em que são maioria e governam?

Adúlteras são apedrejadas, não-virgens são execradas, homossexuais são perseguidos e quem ensina a teoria da evolução vai em cana.

Não, leitor ou leitora, não estou pregando uma guerra santa contra o Islã. Isso de pregar guerra é para religiosos. A história militar mostra que mesmo no Ocidente as guerras mais violentas foram aquelas opondo credos distintos -protestantes contra católicos, nazistas contra comunistas.

O Islã precisa se modernizar. É inconcebível que um líder religioso possa decretar a morte de um escritor. O papa já deixou de ter exércitos; os aiatolás e mulás precisam fazer o mesmo.

Os atentados nos EUA deixaram assanhados os antiamericanos de praxe, como boa parte da nossa esquerda. O caso mostra que mesmo a queda do Muro de Berlim não afetou as mentalidades mais autoritárias típicas dos comunistas.

Por exemplo, aquele e-mail falso, atribuído a um estudante de Campinas, que dizia que as imagens de palestinos comemorando os atentados nas ruas eram na verdade de 1991, e que a CNN teria forjado a coisa.

É um claro exemplo não só de teoria conspiratória, como da propensão stalinista de reescrever a história.

O sujeito que inventou isso estava tentando passar uma mentira por verdade, "pois nem sempre", como diziam os comunas, "a verdade é revolucionária".

Tanto faz o que fizeram os EUA no passado. Relembrar isso cria uma curiosa aritmética da morte que supostamente "justificaria" o terror. Os EUA mataram milhares de japoneses em Hiroshima, mas os japoneses mataram milhões na China, que matou mais alguns milhares no Tibete e assim por diante... Se quem matou mais merecer um avião na cabeça, não sobra um, meu irmão.

Um leitor chamado Roberto Ribeiro Baldino mandou um e-mail para jornalistas criticando uma sensata coluna do colega Clóvis Rossi. "É por causa desse tipo de jornalismo que sinto vontade de aplaudir os 19 que deram a vida para que o mundo reconheça o que fazem esses Clóvis Rossi pelo mundo afora. O terrorismo não é a 'resposta certa à hegemonia', é o único discurso possível diante do terror que é a obliteração do universo simbólico!!!", escreveu o leitor, algo confusamente.

Viu como antolhos ideológicos podem cegar uma pessoa? Convém lembrar o óbvio: qualquer que seja o motivo, terrorismo é crime. Se pobreza transformasse o pobre automaticamente em criminoso, seria preciso enjaular populações inteiras.

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