Câmera no caixão mostra a morte on-line

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA


Dentro do caixão, uma webcam transmite pela internet as imagens de um corpo que se decompõe. Os espectadores têm papel ativo nessa interação macabra. São eles que, de seus computadores, controlam um termostato ao lado do cadáver -mais quente ou mais frio (a velocidade de decomposição é diretamente proporcional à temperatura).
A história lembra os pesadelos gótico-românticos do autor americano Edgar Allan Poe (1809-1849), um obcecado por situações claustrofóbicas de quase-morte. Mas é coisa atual, idéia de um jovem de 15 anos, e serviu como base para o filme “Necrocam”, recentemente apresentado pelo canal holandês Vara.

Fissurado por alta tecnologia, o jovem, chamado Zoro, um dia chegou para a mãe e mandou: “Quando eu morrer, quero uma webcam no meu caixão, e falo sério”.
A mãe, a artista plástica Ine Poppe, ficou impressionada. Dias depois, viu um anúncio no jornal, em que o canal Vara pedia idéias para filmes. Não teve dúvidas: transformou a idéia do filho em roteiro e acabou premiada.

O filme, de 50 minutos, ficou pronto, já passou na TV da Holanda e agora pode ser visto na internet: www.vara.nl/necrocam. “Necrocam” foi assunto de reportagem, segunda-feira passada, no jornal americano “The New York Times”.
A trama gira em torno de quatro colegas que vivem imersos em tecnologia. Conversam por computador, divertem-se em jogos on-line. Um dos quatro, a menina Christine, descobre que está com câncer e tem a idéia de um pacto. O primeiro que morrer terá uma webcam instalada no caixão. Todos aceitam, e filmam o acordo com uma camerazinha digital: “Juramos sobre o túmulo de Bill Gates!”.

Rutger Achterberg, produtor da fita, disse ao “NYT” que “Necrocam” trata de “pessoas que lembram de seus entes queridos em tempos novos, em uma nova era, com novos meios de comunicação”.
E esse é o ponto que mais impressiona: um filme tão extremo, mas que não é ficção-científica. Todos os meios materiais usados na história já estão disponíveis. Basta imaginação para pô-los em prática.

Dando um toque ainda mais assustador à história, o pai de Zoro, o menino que teve a idéia do filme, recebeu um diagnóstico de câncer. Viveria menos de dois anos. Sabendo do projeto de mãe e filho (o casal estava separado, mas mantinha contato), se ofereceu: “Se quiserem pôr uma webcam de verdade no meu caixão, tudo bem”.
Ine Poppe contou ao “NYT” que pensou seriamente na idéia, mas depois desistiu, porque “seria um peso emocional muito grande sobre a família”.

Em uma fita em que realidade e ficção se superpõem tão estranhamente, o resultado só pode ser uma obra de arte.